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Estágio Internacional de Actores Lusófonos
Uma experiência exaltante

A história do projecto é simples: de uma acção de natureza episódica e eventual, chegou-se a uma intervenção mais profunda e marcante. Na génese está a vontade da Cena Lusófona de promover uma acção de formação onde participassem actores de todos os países lusófonos. Paralelamente, a Expo’98 desenvolvia esforços no sentido da participação de actores desses países num dos projectos de animação permanente da Exposição Mundial de Lisboa, os Olharapos.

Da confluência dessas vontades nasceu o projecto: a viabilização de uma acção de formação teatral que se pretende exemplar na intenção e conteúdos, ao mesmo tempo que a Expo’98 viabilizava a participação dos artistas no projecto Olharapos. O terceiro parceiro da iniciativa, o Teatro da Trindade / Inatel, por já ter projectos programados nesta área, associou-se à iniciativa possibilitando, assim, através do contributo de cada uma das três instituições, um estágio de uma escala mais alargada, com melhores possibilidades de desenvolvimento e a duração de onze meses.

No início de Novembro desembarcaram no Teatro da Trindade quinze actores. Em comum tinham a lusofonia; a separá-los, outras línguas que também falam, quilómetros de mar, culturas, hábitos e tudo o que faz cada país ímpar. Na bagagem a vontade de aprender coisas novas e de mostrar o que os torna tão diferentes uns dos outros. Pela frente onze meses de estágio: um laboratório de pesquisa e de troca, onde a formação assume papel primordial. Onze meses a provocar a curiosidade mútua, evidenciar o contributo original de cada um, estimular a troca de saberes, descobrir fórmulas de diálogo e interacção no presente; passar técnicas adquiridas, questionar a utilidade de técnicas face às diferentes realidades e valorizar o património cultural, literário e performativo de toda a comunidade, aprofundando o conhecimento de cada um nesse domínio.

A primeira fase do Estágio decorreu num processo singular de formação e experimentação artística, cruzando uma Oficina de Representação, dirigida por Rogério de Carvalho, com a produção de uma Oficina de Escrita, orientada por Joaquim Paulo Nogueira e com a participação de Miguel Clara Vasconcelos, João Reinaldo Siqueira e Dolores Cortez. O percurso de formação contou ainda com uma Oficina de Máscara, orientada por Filipe Crawford, por uma Oficina de Gigantones e Cabeçudos, orientada por José Ramalho e o acompanhamento coreográfico de Joana Providência.

Filipe Crawford, na oficina de Técnica da Máscara, inspirando-se nos Coros de Tragédia Grega e na Comédia dell’Arte, pretendeu iniciar os actores nas regras básicas da representação, permitindo-lhes desenvolver os seus recursos corporais e gestuais e prepará-los para a improvisação e para a composição de personagens. Foi uma oficina onde sobretudo se pretendeu apontar caminhos e explicar metodologias da Técnica da Máscara.

Com José Ramalho os actores iniciaram-se na arte centenária dos gigantones. Gigantes e cabeçudos são uma das formas artísticas integrantes do vasto mundo da Arte da Marioneta. A sua figura desmesurada, amplificando e/ou exagerando os traços fisionómicos e de personalidade, cumprem uma função catártica.

Desta primeira fase surge o exercício-espectáculo "A Fronteira", um espaço de encontro entre várias personagens, encontro esse que, à medida que os imaginários individuais se cruzam entre si, vai gradualmente constituir-se como um processo de procura de identidade, individual e colectiva, que começa a insinuar-se de uma forma cada vez mais insistente. Factor importante no processo de construção da peça foi o cruzamento operado pela Oficina de Escrita, onde os próprios actores construíam o texto que, na Oficina de Representação, iriam interpretar.

Em Janeiro, depois de cinco espectáculos na sala estúdio do Teatro da Trindade, "A Fronteira" partiu para uma digressão por Braga, Montemor-o-Novo, Évora e Coimbra. Salas cheias foi a constante, Coimbra teve mesmo de realizar três novos espectáculos no final de Fevereiro quando já decorria a segunda fase do estágio. Contactos muitos: com escolas e outros estudantes de teatro, com profissionais do sector, conhecendo diferentes estruturas de produção teatral, estabelecendo contactos.

Nesse segundo momento do estágio, em Coimbra, sob direcção de José o desafio foi a montagem da peça o "Beijo no Asfalto" de Nelson Rodrigues. Outra forma de encarar o processo de aprendizagem, onde se pretendeu confrontar os participantes no estágio com um texto dramático previamente estabelecido, neste caso pelo mais importante dramaturgo lusófono contemporâneo. Tilike Coelho e António Barros orientaram, respectivamente, um atelier musical e um atelier cenográfico. Nos dois ateliers intentou-se reflectir sobre o papel da música e do espaço cénico, trabalhando com meios elementares, enquanto se procedia à construção concreta do exercício-espectáculo.

Nesta fase em Coimbra, um outro parceiro se juntou, de forma decisiva, para co-produzir "O Beijo no Asfalto" - o Teatro Académico de Gil Vicente.

Por fim, em Abril, os quinze actores lusófonos entram na derradeira fase do estágio: a participação no projecto Olharapos da Expo’98. Os Olharapos são "seres estranhos vindos de outros continentes. Abencerragens que viviam escondidos nestes terrenos, antes das escavadores os terem esventrado. Entes fantásticos que em 98 vão deambular pelo espaço da Expo, entre as pessoas. Monstros medonhos, muitos e de várias famílias. Seres extraordinários e capazes de tudo. Até de soltar a alma de vez em quando", nas palavras de Cândido Ferreira.

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