Editorial
  .
Carnaval na Guiné
 documentário
.
Os Fidalgos
 nasce uma companhia
na Guiné Bissau
novo espaço teatral em Bissau

.
Floripes Negra
.   .
Quem me dera ser onda
 

Angola em destaque
testemunhos

.

Bica teatro
 Vim-te Buscar
testemunhos

.
Cenas
 

edições
Timor
Em números

ficha técnica

 
 
 
  

[testemunhos]
Quem me dera ser onda


Cândido Ferreira
«Se fosse possível avaliar uma acção com as características daquela que levámos a cabo em Luanda sob a tutela da “Caixindré”, com o apoio da Cena Lusófona, não podíamos fugir ao excelente. Pelos resultados artísticos e pelas consequências sociais e humanas. Uma coisa fica por avaliar: os reflexos futuros das acções de formação, embora estejamos todos muito optimistas.
E foi maravilhoso devolver aquela gente e aquele público uma das suas mais belas obras, que fala do passado recente e até do presente, sempre vivido com raiva, com angústia, com miséria, mas também com muito amor, alegria e alguma esperança.
A meu ver, a capacidade técnica e polivalente da equipa, a sua juventude e generosidade foram factores determinantes para o sucesso desta acção.»


Nicolas Brites
«No início só levávamos uma semente solitária, apenas um embrião em estado de vida latente, com os genes da experiência que esta equipa de seis pessoas tinha tido anteriormente em Lisboa.
Chegámos e a semente foi lançada, a terra fértil abraçou-a num misto de desconfiança e esperança, mas poucos dias passaram para que ela germinasse e fosse ganhando forças, as raízes expandiram-se em várias direcções. A abertura de espíirito, a união das vontades, o respeito mútuo e os desejos comuns tiraram a semente do seu estado primitivo de desenvolvimento para lhe dar corpo, houve uma conjunção de forças duma parte e de outra para o bom desenvolvimento deste projecto. Fomos claros nos objectivos que nos propusemos alcançar. Fomos atrevidos e provocamos um grande número diferente de pessoas variado nas suas áreas a participarem neste projecto em volta do teatro e do "Quem Me Dera Ser Onda".
Nunca parámos de dar água à nossa raiz. E ela foi se desenvolvendo escondida e subterrânea. Deparou-se com algumas dificuldades, pedras da dura realidade em que este povo vive - as constantes quebras de luz; o transporte dos músicos, dos actores e dos técnicos em segurança já que a partir das 23 horas as ruas de Luanda se tornam bastante inseguras; assegurar que todos os intervenientes tenham pelo menos uma refeição digna antes de iniciar os ensaios; a falta de ferramentas e materiais para a construção e concepção dos cenários e adereços; o marasmo dos meios de iluminação e de espaços em condições para ensaios e sua consequente apresentação ao público - mas esta raiz corajosa acabou sempre por conseguir resolver, melhor ou pior, as questões problemáticas que se lhe deparavam pela frente e que a impediam de se desenvolver.
Finalmente, um ramo tenro e verde despontou e elevou-se em direcção aos céus, sofreu novamente algumas intempéries, mas a alma já ninguém a podia retirar, já não havia retorno possível.
O caule e as suas múltiplas minúsculas folhas frágeis transformaram-se, de um dia para o outro, numa árvore frondosa, alta de copa larga, de onde se conseguia deslumbrar uma palavra que fora raptada à muito pelos ventos da guerra e esquecida pelo povo angolano, aquela que nos dá uma perspectiva do que está para vir.
Recordo o dia da estreia, a ansiedade aumentava, as emoções andavam à flor da pele e a dúvida passava silenciosa só quebrada pelo riso e perguntas das crianças, era o dia da verdade, o dia em que o fruto ia ser mostrado, e que acabou por ser saboreado com deleite pelos intervenientes e público luandense.
A nossa semente passou a ser a árvore deles, eles agora cuidam dela, nós observamos esperando que ela se torne mãe de outras sementes num futuro próximo, pretexto para outros encontros vindouros.»